Opinião

A Autodestruição

Mais uma vez, não constitui qualquer surpresa para mim, a onda de choque que o conteúdo da conferência de imprensa do ex-primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus, segundo me dizem, provocou no país, sobretudo nas redes sociais.

Afirmei, no último artigo que escrevi, que alguns dos nossos políticos comportavam-se como cães que se engordam para lutar, uns contra os outros, até a morte de um deles, não tendo, contudo, esta conduta, a mínima importância para nós, como membros desta comunidade de pertença, para além das claques, de cada um dos lados, que alimenta esta selvajaria.

Os últimos episódios que aconteceram no país, que culminou com esta inédita entrevista de um ex-primeiro-ministro do anterior governo, parece confirmar, de forma fiel, esta constatação.

Tive a preocupação de ir ouvir a referida entrevista, porque o relato feito por outrem sobre o conteúdo da mesma intrigou-me e pareceu-me inverosímil, embora entendesse que estamos, de facto, a caminhar, de forma divertida, para a autodestruição, como tenho sucessivamente escrito nos meus artigos.

Em primeiro lugar, o senhor ex-primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus, passou mais de uma hora, num exercício de eloquência discursiva, tentando-nos fazer crer que ele é muito melhor que o atual primeiro-ministro, Patrice Trovoada, tendo, contudo, sido traído, várias vezes, pela fúria reativa, esquecendo-se, todavia, que naquela conferência de imprensa, excluindo a sua claque que pulula, sobretudo, nas redes sociais, e alguns militantes do seu próprio partido, ninguém estava a procura de “crença” mas da “verdade”.

Ninguém compreende, por isso, que o ex-primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus, em vez de nos elucidar, de forma transparente e totalmente clara, sobre o real conteúdo do documento que recebeu em mãos, no dia 13 de setembro, que continha referências a eventual emergência de atos subversivos em preparação, optou, pelo contrário, em lançar epítetos ao atual primeiro-ministro, Patrice Trovoada, tratando-o como “bandido, criminoso, burlão, putanheiro, mentiroso, falso, cínico, desgraçado e maior corrupto do país”.

Esta é uma linguagem típica de taberna, comparável ao comportamento de um bêbado que deixou perder as chaves de casa e resolve ir procurá-las num sítio distante do lugar onde, aparentemente, as mesmas deveriam estar. Quando lhe perguntam a razão pela qual ele fora procurar as chaves naquele lugar ele respondera que a mesma deveria estar ai porque naquele local pelo menos tinha alguma luz e tal facto ajudar-lhe-ia a encontrar as referidas chaves.

Jorge Bom Jesus e toda a oposição construíram uma narrativa em torno daquilo que aconteceu no dia 25 de Novembro, com foco específico no caso da tortura que ocorreu no quartel das forças armadas, tratando Patrice Trovoada e o atual governo como inimigos do povo ou o nosso inferno na terra em contraposição ao comportamento deste que, desde o primeiro momento, tentou culpabilizar a oposição pelos referidos acontecimentos, valorizando a tentativa de alteração da ordem constitucional, que terá, eventualmente, na perspetiva do mesmo, precipitado os referidos acontecimentos de tortura.

Estamos, deste modo, perante duas narrativas, só aparentemente irreconciliáveis, por motivos mesquinhos, egoístas e imediatistas, onde predomina a tentação para expressão da política como “processo” em detrimento da política como “projeto”, num contexto em que a ação de todos intervenientes deveria ser, muito pelo contrário, o bem da comunidade e preservação das instituições do Estado.

Em segundo lugar, quando todos esperávamos que o ex-primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus, nos explicasse a razão pela qual, o seu partido, logo no dia 25 de Novembro, numa primeira reação aos acontecimentos que ocorreram no país, fez sair um comunicado em que condenava “veementemente e demarcava-se da acção covarde de alteração da ordem constitucional”, aproveitando a oportunidade para “manifestar solidariedade aos militares que em defesa da pátria foram feridos naquela bárbara ação” tenha, contudo, passados alguns dias, mudado radicalmente de opinião, e passou a considerar a ação em causa como um “pseudo-golpe”.

O que é que mudou, na perceção do MLSTP e do seu, ainda, atual líder, para mudarem radicalmente de opinião, tratando a referida ação, num comunicado inicial, como um “lamentável e condenável golpe de Estado” que exigia uma resposta forte da comunidade internacional para, posteriormente, o designarem como um “pseudo-golpe”? O MLSTP tem de nos explicar isto de forma clara e transparente!

Em terceiro lugar, tenho dificuldade em compreender que alguém que deixou de ser primeiro-ministro, há menos de seis meses, tenha dito na referida conferência de imprensa que não acredita no conteúdo do despacho produzido pelo ministério público, em colaboração com especialistas portugueses, tendo mantido a sua versão de “pseudo-golpe” de Estado.

Por que razão o senhor ex-primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus, deixou, repentinamente, de acreditar nas instituições da república, que ele representara como primeiro-ministro, designadamente no Ministério Público?

Como é que alguém que representou o nosso Estado como primeiro-ministro, há menos de seis meses, deixa de acreditar numa estrutura deste mesmo Estado cujas funções, entre outras, é a de defender a legalidade democrática e exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade?

O senhor ex-primeiro-ministro deixou de acreditar no ministério público nos últimos três meses ou sempre o fez enquanto exercia o cargo de primeiro-ministro?

Se o ex-primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus, pensa desta forma, relativamente ao ministério público, o que é que os cidadãos comuns pensarão da referida instituição, tendo em conta este posicionamento?

Em quarto lugar, ao contrário daquilo que muitas pessoas pensam, tal comportamento do ex-primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus, na referida conferência de imprensa, não reflete somente a reação irrefletida, instantânea e irracional do mesmo, fruto da entrevista de véspera do Patrice Trovoada. Foi, muito pelo contrário, uma ação concertada, de toda a direção do referido partido, ou, pelo menos, o conteúdo da mesma contou, a montante, com a organização estratégica e metodológica dos seus colaboradores mais próximos. Constatou-se isso mesmo quando o senhor ex-primeiro-ministro terminou a referida conferência de imprensa e questionou aos seus pares, diante dos jornalistas, que estavam no fundo da referida sala, se ele esquecera de algum pormenor que não fora, entretanto, dito na conferência de imprensa em causa. Isto, em parte, diz tudo sobre o estado político do atual MLSTP, coisa que eu tenho, muitas vezes alertado nos meus artigos de opinião. O MLSTP caminha a passos largos para ser um partido irrelevante e dispensável no nosso sistema partidário.

Este é um momento particularmente triste para S.Tomé e Príncipe. Como reiteradamente tenho dito, os próximos tempos serão complexos e difíceis.

Adelino Cardoso Cassandra

01/03/2023

9 Comments

9 Comments

  1. Forro/Angolar

    2 de Março de 2023 at 12:35

    “O senhor ex-primeiro-ministro deixou de acreditar no ministério público nos últimos três meses ou sempre o fez enquanto exercia o cargo de primeiro-ministro?”

    Não. o caro comentador deve ter-se esquecido que já haviam retirado a confiança no PGR perante os diversos casos engavetados ao longo dos últimos 8 anos.

    É apenas mais uma situação que indicía o cumprimento de instruções do Papá.

  2. Resistir

    2 de Março de 2023 at 13:24

    Senhor Cassandra! Já reparou a natureza da sua linguagem? Reparou como insulta o seu ex-colega do Liceu JBJ? Como o senhor pode criticar se também usa linguagem da taberna?
    Se os”políticos comportavam-se como cães que se engordam para lutar”, o senhor comporta-se como o quê?- como cão faminto à espera que uma certa pessoa lhe atire um osso?
    Francamente! Quanta petulancia!

  3. SEMPRE AMIGO

    2 de Março de 2023 at 18:38

    Será que o nosso ilustre compatriota Adelino Cardoso Cassandra,antes de escrever e fazer publicar o actual artígo,teve também o cuidado de ouvir e digerir as declarações do actual primeiro ministro Patrice Trovoada?Cuidado DOUTOR; corre o risco de poder vir a ser catalogado de “pau mandado”de uma das partes Como leitor assíduo dos seus artigos de opinião no TELA-NON,arrisco-me aconselhá-lo,caso não tenha ainda ouvido a última intervenção pública do sua excelência o actual primeiro ministro, a rescrever o artigo :A Autodestruíção.A REPÚBLICA precisa das opinões de um cidadão como o senhor,masimunizado contra os virus dos PARTIDOS POLÍTICOS

    .Ao que parece os dois Ministros(O EX e o ACTUAL),com as suas últimas declarações á imprensa escancararam as portas do inferno,já não é possível reconciliar os dois. Um não cheira o outro. Impacientes e com base nas conclusões tecnicas dos dois PJ(santomense e portuguesa),sem aguardar,(aprendendo com a inesgotável paciência e a oportuna sabedoria do nosso Presidente da República),as decisões finais da Justiça santomense, iniciaram os ataques pessoais.E agora?…Só o PRESIDENTE DA REPÚBLICA,CHEFE DE ESTADO E COMANDANTE SUPREMO DAS FORÇAS ARMADAS é que nos poderá livrar da queda no precipício.
    .

  4. Fôrro Cacau

    2 de Março de 2023 at 21:45

    É triste ter que continuar a assistir a comentários estúpidos e insanos de gente que não consegue ver para além da caixa política onde estão arrumados.
    A política no nosso país do faz de conta é um circo. É isso palhaços somos nós.
    O JBJ mente com quantos dentes tem. E a sua reação mostra bem a culpa que tem no cartório. Ele sabia, o J Alvim sabia e o CEMFA sabia. Todos sabiam o que o Arlécio andava a fazer.
    O JBJ sabe bem os benefícios que ofereceu ao Delfim quando lhe concedeu as terras….do Arlécio.
    O JBJ é um mentiroso. Não tem tomates para assumir que sabiam o que andavam a tramar.
    Tenho pena que o nosso povo continue de mão estendida, a viver o dia a dia, à espera de melhor vida, enquanto estes bandalhos continuam a dar-se ao luxo de viver como lords no nosso país e possam continuar a comprar casas milionárias no estrangeiro .
    Parte do dinheiro das nossas terras, vendidas pelo Delfim é que lhe foram oferecidas pelo JBJ devem ter sido investidos no jipe com que agora se passeia. Quanto custará aquele carro…
    Parabéns Adelino Cassandra pelo seu artigo, bem escrito, bem pensado, que nos dá a imagem translúcida da nossa elite política.

  5. E

    3 de Março de 2023 at 9:46

    Muito bem..mas tb nao esqueca de fazer um artigo sobre a inocencia de Delfin neves neste caso de 24 de novembro..

  6. E

    3 de Março de 2023 at 9:47

    Queria dizer 25 de novembro..

  7. Manuela Pedroso

    3 de Março de 2023 at 15:01

    Meus Caros
    Vivo neste país a mais de 50 anos e nunca saí do mesmo. Acompanho sempre a situação do nosso país.
    No Governo anterior, acompanhei de perto uma denuncia que veio dos altos cargos das instituições do Estado, nomeadamente, SINFO, UPDD, Capitania, Guarda Costeira, alguns militares que tomaram parte numa reunião com o ex ministro da Defesa, Oscar Sousa, onde disseram que ao entrarem para a reunião, tomaram todos os telemóveis dos participantes e disseram-lhes para estarem preparados para uma missão importante no país. Um dos meus amigos e responsáveis de uma destas instituições saiu muito preocupado da reunião.
    Passados alguns dias, disseram que tinham encontrado na casa do ex ministro da Defesa, Oscar, um arsenal de armas, que parecia um pequeno quartel. Esta noticia circulou por todos o país. As pessoas atentas que viveram neste país nos últimos 4 anos tiveram esta noticia.
    Passados dois ou três meses, circularam noticias de que o ex ministro da Defesa tinha enlouquecido e ficado doido. O JBJ alugou um avião para levá-lo à Portugal.
    Como é possível que toda esta noticia a circular que até um ignorante estava na posse da mesma e o ex primeiro ministro diz que não sabia. Pode ser, ele estava muito distraído, juntamente com o seu homologo Delfim Neves no negócio dos terrenos da Lagoa Azul e Praia das Conchas.
    E como é que vais ficar este negócio. Aqueles milhões todos que foram parar nas contas privadas dos santomenses no estrangeiro como é que vai ficar. Os brutos carros que estão a circular do Delfim, JBJ e outros comparsas. Como???
    Aguardo a resposta

    • SEMPRE AMIGO

      7 de Março de 2023 at 21:56

      MEU DEUS!!!…Estão querendo complicar propositadamente tudo isso!Para onde nos querem conduzir?O que as forças obescuras pretendem é embaralhar ainda mais as nossas cabeças para,depois,deixar tudo como está.Vamos devagar.Segundo o PJ,no seu relatório final, o senhor Delfim Neves não estave envolvido na ainda chamada
      tentativa de golpe de Estado de 24-25 de Novembro de 2022.Ainda segundo o relatório do imparcial(?) PJ,o senhor Delfim Nevess estava,sim, envolvido num negócio altamente lucrativo com a venda de um espaço nas Praias das Conchas, outrora pertencente a empresa do finado Arlécio Coosta.Pelo o que nos informa o relatório da PJ somos levado a acreditar,sem que,no entanto,nos ter dado a conhecer as relações comercias e de negócio entre os senhores DELFIM Neves e Arlécio Costa que aliás foi um dos grandes activistas na campanha do candidato Delfim Neves ás eleições presidencias de 2021,que o objetivo principal da tentativa do golpe liderado pelo Arlécio COSTA era de “lixar a vida do Delfim Neves.”E como é que o Arlécio Costa iria conseguir tudo isso?Ficamos sem saber;os mortos “mtados” não falam.Neste momento só nos resta duas esperanças.A primeira é a JUSTIÇA,a reserva moral da sociedade.Será ela,a JUSTIÇA, a nos desvendar quem são os responsáveis pelos bárbaros acontecimentos de 25 de Novembro em STP;quem mandou fazer o quê,quem fez o quê.Segundo:a segunda questão, que é informada,como quem não quer nada e de forma suscinta no relatório da PJ e tratada detalhadamente

      pelo infátigavel historiador alemão Dr.SEIBERT,tem a ver com o negócio da empresa
      CNN do cidadão Delfim Neves com o parceiro alemão na Praia das Conchas.O ESTADO santomense não pode ficar nunca a perder.Tudo vai ter que ficar claro.No entanto o primeiro assunto a resolver com muita urgência é o 25de Novembro de 2022.Amem.

  8. SEMPRE AMIGO

    7 de Março de 2023 at 20:33

    MEU DEUS!!!…Estão querendo complicar propositadamente tudo isso!Para onde nos querem conduzir?O que as forças obescuras pretendem é complicar ainda mais para deixar,depois, tudo como está.Vamos devagar.Segundo o PJ o senhor Delfim Neves não estave envolvido na ainda chamada
    tentativa de golpe de Estado de 24-25 de Novembro de 2022.Segundo o relatório do imparcial(?) PJ,o senhor Delfim Nevess estava,sim, envolvido num negócio altamente lucrativo com a venda de um espaço nas praias das conchas, outrora pertencente a empresa do finado Arlécio Coosta.Pelo o que nos informa o relatório da PJ somos levado a acreditar,sem no entanto conhecer as relações comercias e de negócio entre os senhores DELFIM Neves e Arlécio Costa que aliás foi um dos grandes activistas na campanha do candidato Delfim Neves ás eleições presidencias de 2021,que o objetivo principal da tentativa do golpe era de “lixar a vida do Delfim Neves.”E como é que o Arlécio Costa iria conseguir tudo isso?Ficamos sem saber;os mortos não falam.Neste momento só nos resta duas esperanças.A primeira é a JUSTIÇA,a reserva moral da sociedade.Será ela,a JUSTIÇA, a nos desvendar quem são os responsáveis pelos bárbaros acontecimentos de 25 de Novembro em STP;quem mandou fazer o quê,quem fez o quê.Segundo:a segunda questão, informada,como quem não quer nada e de forma suscinta no relatório da PJ e trazida minuciosamente ao conhecimento público pelo infátigavel historiador alemão Dr.SEIBERT,tem a ver com o negócio da empresa CNN do cidadão Delfim Neves com o parceiro alemão na praia das conchas.O ESTADO santomense não pode ficar nunca a perder.Tudo vai ter que ficar claro.No entanto o primeiro assunto a resolver com muita urgência é o 25de Novembro de 2022.Amem.

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